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18 de julho de 2020


Manifestações cutâneas na Covid-19
Algumas lesões dermatológicas têm sido descritas como possíveis manifestações do vírus SARS-CoV-2, tais como: urticária, alguns tipos de exantema, livedo, isquemia e necrose.
Uma busca em plataformas de periódicos médicos cruzando os termos “Covid-19 and skin” encontrou 46 publicações até meados de abril.

Uma análise crítica destas publicações deve ser feita, uma vez que a maioria dos artigos são relatos de caso ou carta ao editor. Discutiremos abaixo os principais achados relatados.
Exantema
Exantema purpúrico/petequial - foi um dos primeiros casos relatados, associado a um caso na Tailândia, o paciente teve como manifestações iniciais o exantema, febre e plaquetopenia, após alguns dias evoluiu com sintomas respiratórios.
Inicialmente o caso foi abordado como dengue, com posterior diagnóstico de Covid-19 confirmado por RT-PCR.
Outro artigo fez menção a resultados falsos positivos de testes rápidos para dengue em pacientes com Covid-19.
Não se pode concluir se exantema petequial pode ser manifestação inicial de Covid-19 e nem se há reação cruzada entre testes diagnósticos de dengue e COVID-19, mas de fato são dois importantes diagnósticos diferenciais.
Exantema morbiliforme: 
Uma carta ao editor publicada no Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology (JEADV) revelou uma pesquisa de dados feito em um hospital italiano, no qual 18 dos 88 pacientes internados apresentavam lesões cutâneas. Destes, 14 apresentavam padrão de exantema morbiliforme, sendo que alguns manifestaram no início da doença e outros somente após a internação e uso de medicamentos. Não foram feitas imagens e nem biópsias, justificado pelos autores por faltas de equipamento de proteção individual no local.
Sabemos que o exantema morbiliforme pode estar presente em diversas viroses, assim como em casos de farmacodermia, sendo improvável concluir associação nesses casos.
Exantema pápulovesiculoso: 
Uma carta ao editor do Journal of the American Academy of Dermatology (JAAD), descreveu uma série de casos, sugerindo exantema varicela-like como manifestação sugestiva de Covid-19. Foram relatados 22 pacientes com quadro de pápulas eritematosas e vesículas distribuídas principalmente no tronco. Foram realizadas biópsias em sete casos, com resultado histológico compatível com infecção viral em todos os casos. O tempo médio de surgimento entre os sintomas sistêmicos e as lesões cutâneas foi de três dias, e nenhum novo medicamento foi relatado pelos pacientes.
Os autores sugerem esse achado como específico, embora reconheçam a necessidade de mais estudos para validar esses achados.
Urticária
 Na mesma carta ao editor do JEADV, daqueles 18 pacientes, três apresentaram quadro compatível com urticária “disseminada”. Outro artigo publicado no Journal of Medical Virology citou caso de um paciente com quadro inicial descrito como urticária e após quatro dias apresentou sintomas respiratórios e teste positivo para o vírus SARS-CoV-2. Novamente, não foram relatadas biópsias das lesões e nem divulgadas imagens das mesmas.
Mais uma carta ao editor do JEADV citou um caso de paciente jovem com quadro inicial de odinofagia e lesões urticariformes distribuídas predominantemente na face e membros (o autor do artigo citou o diagnóstico clínico de urticária confirmado por dermatologista e publicou duas imagens da paciente, com lesões compatíveis) e após dois dias, a mesma apresentou febre e testagem positiva para SARS-CoV-2.
SDRIFE - (Symmetrical Drug-Related Intertriginous and Flexural Exanthema)
Mais uma carta ao editor do JEADV, relatou um exantema de localização característica em paciente com Covid-19 confirmado, quatro dias após início do quadro de febre e astenia em uso concomitante de paracetamol (dose não informada). O exantema era restrito a regiões flexurais, lembrando um quadro característico de SDRIFE (Symmetrical Drug-Related Intertriginous and Flexural Exanthema), também conhecido como síndrome do babuíno (Baboon Syndrome).
Um outro artigo citou um caso de exantema purpúrico de localização periaxilar bilateral em paciente SARS-CoV-2positivo internado, após três dias de início de hidroxicloroquina e lopinavir, mas não citou o termo SDRIFE.
Novamente não temos como afirmar se o quadro foi decorrente de manifestação viral ou pelo uso de medicamentos.
Acroisquemia
Um artigo publicado na revista chinesa de hematologia fez uma análise retrospectiva de sete casos graves de Covid-19 admitidos em Unidade de Terapia Intensiva. Todos os pacientes apresentavam diferentes graus de isquemia de extremidades, manifestados como acrocianose, bolhas de sangue e gangrena seca. Alguns pacientes apresentaram livedo reticular.
Os sete pacientes apresentaram níveis elevados de D-dímero na admissão, que aumentaram gradualmente ao longo da internação e quatro deles completaram critérios para síndrome da coagulação intravascular disseminada. A anticoagulação com heparina de baixo peso molecular foi realizada em seis dos sete pacientes, seguido de diminuição nos níveis de D-dímero, mas sem alteração do desfecho final (cinco dos seis pacientes evoluíram ao óbito após acompanhamento por 26 dias).
Eritema pérnio
Um relato de caso publicado no JAAD evidenciou um paciente jovem com placas violáceas, infiltradas e dolorosas, em fundo eritematoso, na face dorsal dos dedos dos pés e nas laterais dos pés que surgiram três dias após sintomas de febre e tosse, com posterior confirmação de presença do SARS-CoV-2 em swab de orofaringe. Foi realizada biópsia e análise histológica da lesão compatível com eritema pérnio.
Os autores citam que notaram aumento de casos de eritema pérnio nas regiões da Bélgica e França durante a pandemia, sugerindo possível associação com a manifestação viral. Ainda sugerem que esse tipo de manifestação possa estar associado a uma manifestação leve de Covid-19, uma vez que estaria atrelada a expressão precoce de INF-I que possui atividade antiviral.
Outras lesões relatadas
um relato publicado em mais uma carta ao editor do JEADV evidenciou lesões em placas eritematoamareladas, endurecidas, pruriginosas bilateralmente nos calcanhares, de surgimento 13 dias após início dos sintomas de Covid-19. Os autores divulgaram as imagens, mas não foi realizada biópsia. As principais hipóteses diagnósticas foram: urticária vasculite, hidradenite idiopática plantar e dermatose neutrofílica.

Por fim, uma recente carta ao editor do JEADV escrita pelo grupo de dermatologistas de um hospital universitário da Espanha, sugere um método simples e seguro para que seja possível a documentação fotográfica dos achados dermatológicos nos pacientes com Covid-19: bolsas transparentes com zíper para transportar os telefones celulares ou outros dispositivos fotográficos. Essas sacolas descartáveis são feitas de polietileno de baixa densidade, permitindo imagens de alta qualidade através de seu material transparente e permitindo a interação das luvas com os smartphones atuais. Após a avaliação, esses sacos selados são mergulhados em um recipiente com uma solução de etanol a 70 %, sendo completamente desinfetados. Além de sugerirem a realização de biópsia com material descartável, a fim de evitar esterilizações.
Esta mesma publicação ainda relata um caso de quadro urticariforme em paciente com Covid-19, de surgimento após seis dias de sintomas e quatro dias do início de azitromicina e hidroxicloroquina. O exame histológico revelou infiltrado perivascular de linfócitos, alguns eosinófilos e edema cutâneo superior. A presença de eosinófilos pode favorecer a relação do quadro cutâneo com o uso de medicamentos, mas não exclui a associação viral.
Conclusão
Diante dos dados presentes, ainda é muito cedo para considerar tais achados característicos e, tão pouco, sugestivos de Covid-19. Sabemos que viroses em geral podem cursar com manifestações cutâneas variadas e inespecíficas. Infelizmente não há testes para Covid-19 suficientes para testarmos todos os pacientes que surgirem com um destes quadros dermatológicos sem outros sintomas sistêmicos.
Cabe a nós, médicos, dermatologistas e não-dermatologistas, ficar atentos à evolução e à nossa conduta em relação a quadros de exantema ou urticária, por exemplo, evitar o uso de corticoide oral nestes pacientes, até que seja excluída a possibilidade de Covid-19.

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·       Jaqueline Barbeito. Médica Dermatologista pela UERJ Membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia Preceptora do Ambulatório de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto


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