Manifestações
cutâneas na Covid-19
Algumas lesões dermatológicas têm
sido descritas como possíveis manifestações do vírus SARS-CoV-2, tais como: urticária, alguns tipos de exantema, livedo, isquemia e
necrose.
Uma busca em plataformas de
periódicos médicos cruzando os termos “Covid-19 and skin” encontrou 46
publicações até meados de abril.
Uma análise crítica destas publicações deve ser feita, uma vez que a
maioria dos artigos são relatos de caso ou carta ao editor. Discutiremos abaixo
os principais achados relatados.
Exantema
Exantema purpúrico/petequial - foi um dos primeiros casos relatados, associado a um caso na
Tailândia, o paciente teve como manifestações iniciais o exantema,
febre e plaquetopenia, após alguns dias evoluiu com
sintomas respiratórios.
Inicialmente o caso foi abordado como
dengue, com posterior diagnóstico de Covid-19 confirmado por RT-PCR.
Outro artigo fez menção a resultados
falsos positivos de testes rápidos para dengue em pacientes com Covid-19.
Não
se pode concluir se exantema petequial pode ser manifestação inicial de
Covid-19 e nem se há reação cruzada entre testes diagnósticos de dengue e
COVID-19, mas de fato são dois importantes diagnósticos diferenciais.
Exantema morbiliforme:
Uma carta ao editor publicada
no Journal of the European Academy of Dermatology and Venereology (JEADV)
revelou uma pesquisa de dados feito em um hospital italiano, no qual 18 dos 88
pacientes internados apresentavam lesões cutâneas. Destes, 14 apresentavam padrão
de exantema morbiliforme, sendo que alguns manifestaram no
início da doença e outros somente após a internação e uso de medicamentos. Não
foram feitas imagens e nem biópsias, justificado pelos autores por faltas de
equipamento de proteção individual no local.
Sabemos
que o exantema morbiliforme pode estar presente em diversas viroses, assim como
em casos de farmacodermia, sendo improvável concluir associação nesses casos.
Exantema pápulovesiculoso:
Uma carta ao editor do Journal
of the American Academy of Dermatology (JAAD), descreveu uma série de casos, sugerindo
exantema varicela-like como manifestação sugestiva de
Covid-19. Foram relatados 22 pacientes com quadro de pápulas
eritematosas e vesículas distribuídas principalmente no tronco. Foram
realizadas biópsias em sete casos, com resultado histológico compatível com
infecção viral em todos os casos. O tempo médio de surgimento entre os
sintomas sistêmicos e as lesões cutâneas foi de três dias, e nenhum novo
medicamento foi relatado pelos pacientes.
Os autores sugerem esse achado como específico, embora reconheçam a
necessidade de mais estudos para validar esses achados.
Urticária
Na mesma carta ao editor do JEADV, daqueles 18
pacientes, três apresentaram quadro compatível com urticária “disseminada”.
Outro artigo publicado no Journal of Medical Virology citou
caso de um paciente com quadro inicial descrito como urticária e após quatro
dias apresentou sintomas respiratórios e teste positivo para o vírus
SARS-CoV-2. Novamente, não foram relatadas biópsias das lesões
e nem divulgadas imagens das mesmas.
Mais uma carta ao editor do JEADV citou um caso de paciente jovem com quadro
inicial de odinofagia e lesões urticariformes distribuídas predominantemente na
face e membros (o autor do artigo citou o diagnóstico clínico de urticária
confirmado por dermatologista e publicou duas imagens da paciente, com lesões
compatíveis) e após dois dias, a mesma apresentou febre e testagem positiva
para SARS-CoV-2.
SDRIFE - (Symmetrical Drug-Related Intertriginous and Flexural Exanthema)
Mais uma carta ao editor do JEADV,
relatou um exantema de localização característica em paciente
com Covid-19 confirmado, quatro dias após início do quadro de febre e astenia
em uso concomitante de paracetamol (dose não informada). O exantema era
restrito a regiões flexurais, lembrando um quadro característico de SDRIFE (Symmetrical Drug-Related Intertriginous and Flexural Exanthema),
também conhecido como síndrome do babuíno (Baboon Syndrome).
Um outro artigo citou um caso de exantema purpúrico de localização
periaxilar bilateral em paciente SARS-CoV-2positivo internado, após três dias
de início de hidroxicloroquina e lopinavir, mas não citou o termo SDRIFE.
Novamente não temos como afirmar se o quadro foi decorrente de
manifestação viral ou pelo uso de medicamentos.
Acroisquemia
Um artigo publicado na revista chinesa de hematologia fez uma
análise retrospectiva de sete casos graves de Covid-19 admitidos em Unidade de
Terapia Intensiva. Todos os pacientes apresentavam diferentes graus de isquemia
de extremidades, manifestados como acrocianose, bolhas de sangue e gangrena
seca. Alguns pacientes apresentaram livedo reticular.
Os
sete pacientes apresentaram níveis elevados de D-dímero na admissão, que
aumentaram gradualmente ao longo da internação e quatro deles completaram
critérios para síndrome da coagulação intravascular disseminada. A
anticoagulação com heparina de baixo peso molecular foi realizada em seis dos
sete pacientes, seguido de diminuição nos níveis de D-dímero, mas sem alteração
do desfecho final (cinco dos seis pacientes evoluíram ao óbito após
acompanhamento por 26 dias).
Eritema
pérnio
Um relato de caso
publicado no JAAD evidenciou um paciente jovem com placas violáceas, infiltradas
e dolorosas, em fundo eritematoso, na face dorsal dos dedos dos pés e nas
laterais dos pés que surgiram três dias após sintomas de febre e tosse, com
posterior confirmação de presença do SARS-CoV-2 em swab de
orofaringe. Foi realizada biópsia e análise histológica da lesão compatível com
eritema pérnio.
Os
autores citam que notaram aumento de casos de eritema pérnio nas regiões da
Bélgica e França durante a pandemia, sugerindo possível associação com a
manifestação viral. Ainda sugerem que esse tipo de manifestação possa estar
associado a uma manifestação leve de Covid-19, uma vez que estaria atrelada a
expressão precoce de INF-I que possui atividade antiviral.
Outras lesões relatadas
um relato publicado em mais uma carta ao editor do JEADV evidenciou
lesões em placas eritematoamareladas, endurecidas, pruriginosas bilateralmente
nos calcanhares, de surgimento 13 dias após início dos sintomas de Covid-19. Os
autores divulgaram as imagens, mas não foi realizada biópsia. As principais
hipóteses diagnósticas foram: urticária vasculite, hidradenite idiopática
plantar e dermatose neutrofílica.
Por fim, uma recente carta ao editor do JEADV escrita pelo grupo de
dermatologistas de um hospital universitário da Espanha, sugere um método
simples e seguro para que seja possível a documentação fotográfica dos achados
dermatológicos nos pacientes com Covid-19: bolsas transparentes com zíper para
transportar os telefones celulares ou outros dispositivos fotográficos. Essas
sacolas descartáveis são feitas de polietileno de baixa densidade, permitindo
imagens de alta qualidade através de seu material transparente e permitindo a
interação das luvas com os smartphones atuais. Após a avaliação, esses sacos
selados são mergulhados em um recipiente com uma solução de etanol a 70 %,
sendo completamente desinfetados. Além de sugerirem a realização de biópsia com
material descartável, a fim de evitar esterilizações.
Esta
mesma publicação ainda relata um caso de quadro urticariforme em paciente com
Covid-19, de surgimento após seis dias de sintomas e quatro dias do início de
azitromicina e hidroxicloroquina. O exame histológico revelou infiltrado
perivascular de linfócitos, alguns eosinófilos e edema cutâneo superior. A
presença de eosinófilos pode favorecer a relação do quadro cutâneo com o uso de
medicamentos, mas não exclui a associação viral.
Conclusão
Diante dos dados presentes, ainda é muito cedo para considerar tais
achados característicos e, tão pouco, sugestivos de Covid-19. Sabemos que
viroses em geral podem cursar com manifestações cutâneas variadas e
inespecíficas. Infelizmente não há testes para Covid-19 suficientes para
testarmos todos os pacientes que surgirem com um destes quadros dermatológicos
sem outros sintomas sistêmicos.
Cabe
a nós, médicos, dermatologistas e não-dermatologistas, ficar atentos à evolução
e à nossa conduta em relação a quadros de exantema ou urticária, por exemplo,
evitar o uso de corticoide oral nestes pacientes, até que seja excluída a
possibilidade de Covid-19.
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· Jaqueline Barbeito. Médica Dermatologista pela UERJ ⦁ Membro titular da Sociedade
Brasileira de Dermatologia ⦁ Preceptora do Ambulatório de Dermatologia do Hospital Universitário
Pedro Ernesto
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